Seleção às cegas: a ponta do iceberg na busca de soluções para erradicar o etarismo nas organizações

Se você ainda não sabe, o etarismo é o preconceito de idade. Falando assim, parece estranho, afinal, preconceito contra o quê, já que alguma idade todos nós temos a partir do momento em que nascemos? Então, como é possível existir um preconceito relacionado à idade?

O etarismo é mesmo um preconceito esquisito. Aliás, se pensarmos direito, qual preconceito não é bizarro? Mas voltemos ao etarismo. Este preconceito pode recair sobre pessoas jovens demais, pelo simples fato de serem jovens demais para alguma coisa na qual se julgue que a idade traga experiência ou credibilidade. Por exemplo, um cirurgião. Podemos duvidar de sua capacidade técnica em função de sua falta de experiência, o que nos causará certa insegurança, por mais que ele, ou ela, seja altamente capacitado (a), tenha estudado nas melhores escolas e realizado estágios com os melhores da sua área.

Na outra ponta, em uma consulta com um cirurgião idoso podemos achar que ele, ou ela, já não tem mais condições para realizar uma cirurgia. Procuramos sinais e terminamos percebendo alguma senilidade, mãos tremulas, dificuldades de memória ou outras manifestações relacionadas à estereótipos negativos que tenhamos relacionados ao envelhecimento, o que nos traz insegurança. O nosso julgamento pode ou não estar correto em ambos os casos: afinal, quando é a hora certa de começar e de parar, se é que ela existe?

Nas organizações a área de Seleção de Pessoal tem sido acusada de ser a responsável pelo maior foco de etarismo, já que ela é a porta de entrada dos profissionais. Porém é importante lembrar que dificilmente essa área decide sozinha, já que na maior parte dos casos o gestor ou requisitante é quem “bate o martelo” na aprovação de candidatos. Mas não podemos negar que na maioria das organizações que têm esta área, os filtros iniciais são realizados por quem está lá e, muitas vezes, a idade é um crivo aleatório, colocado por alguém que em boa parte dos casos é bastante jovem.

O filtro, aliás, pode vir antes, em forma de algoritmo, mais difícil de ser denunciado em termos legais. Recebi esta semana uma mensagem de um seguidor do LinkedIn, que copio aqui: “fui atualizar o meu perfil numa organização de tecnologia. É obrigatório preencher a data de nascimento. Só que você tem que escolher e o ano mais "antigo" foi 1960. Não pude completar. Depois pensei, vou voltar e colocar 1960”. Perguntei qual era o ano de nascimento dele: 1948. Ou seja, não há espaço para 70+ naquela empresa. Etarismo explícito? Suspeito que na maioria delas, mesmo das que se dizem inclusivas com respeito à Diversidade Etária.

Voltando ao RH, a ampliação dos debates sobre Diversidade trouxe a seleção às cegas como a “bola da vez” nas organizações que procuram ser up to date no combate aos preconceitos, dentre os quais o etarismo. Isso porque o processo busca eliminar qualquer traço de identificação pessoal do candidato: gênero, orientação sexual, idade, filhos, local onde mora, instituição onde realizou seus estudos e assim por diante. A própria entrevista pode ser realizada de várias formas:  através de um software que distorce a imagem e a voz do profissional, consultoria terceirizada, pessoas de outras áreas da própria empresa, e outros formatos distintos: cada empresa adapta o modus operandi do processo ao que julga mais conveniente e compatível com a sua cultura.

A questão que se coloca é se os resultados deste processo são realmente eficazes no combate ao etarismo nas organizações: será que a seleção às cegas consegue romper padrões e preconceitos ampliando efetivamente as oportunidades de forma sustentável? O fato de tornar o processo seletivo mais justo e diverso garante que os resultados se mantenham no médio-longo prazo?

A oportunidade de entrar em uma empresa é certamente um passo importante. Mas será que ela basta? Quantas pessoas “diferentes” conseguem se manter na organização sem que haja um trabalho de base? Como fazer para que o processo de inclusão ocorra de fato?

Inclusão diz respeito à pertencimento e singularidade: quero fazer parte do grupo, mas ter a minha individualidade e minhas competências reconhecidas.  Além disso, preciso sentir que posso ser quem eu sou, sem riscos, que não sou invisível, nem ser isolado (a) por ser diferente da maioria.

O processo para que seja criado um ambiente de segurança psicológica no qual cada um seja valorizado e aceito nem sempre ocorre de maneira natural, pois os preconceitos permeiam a nossa cultura, e, claro, a cultura organizacional! Por isso, são necessárias algumas ações, que dificilmente acontecerão sem ajuda especializada.

E a seleção às cegas? Funciona mesmo? Sim e não. Depende do todo. No combate ao etarismo ajuda.

 

Fran Winandy, 08/22